
UM PANORAMA DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (EAD) NO BRASIL
Autores: Kelly Maria Araújo Ribeiro (UFG)
Supervisor: Dr. Luan Vinicius Bernardelli (UFG)
A Educação a Distância (EaD) no Brasil tem sua origem que remonta ao século XX, com experiências isoladas nesse período, mas foi somente a partir dos anos 2000 que essa modalidade começou a se consolidar no ensino superior. Sua institucionalização foi impulsionada por políticas públicas e legislações específicas, como o artigo 80 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei no 9.394/1996), que formalizou a EaD como modalidade legítima no sistema educacional brasileiro (Correia-Neto; Valadão, 2017).
Segundo o Mapa do Ensino Superior no Brasil 2025, a modalidade EaD apresentou um crescimento acelerado na última década. Entre 2013 e 2023, o número de matrículas nessa modalidade cresceu 326%, impulsionado principalmente pelo setor privado, que concentra 95,9% das matrículas de EaD no país. Em 2023, a EaD representou 49,3% do total de matrículas, aproximando-se da modalidade presencial, que representou 50,7% das matrículas (Semesp, 2025).
Nesse contexto, ressalta-se que o ensino à distância (EaD) no Brasil passou por um crescimento exponencial durante e após a pandemia de COVID-19 (Silva; Coutinho, 2019). Segundo dados do Mapa do Ensino Superior no Brasil 2025, o número de matrículas na EaD aumentou significativamente nos anos de 2020 a 2022. O crescimento mais expressivo foi entre 2020 e 2021, com aumento de 26,8% nas matrículas durante o auge da pandemia. A partir de então, embora o ritmo tenha diminuído, a expansão continuou: 19,7% em 2021, 16,5% em 2022 e 13,4% em 2023, evidenciando o impacto direto da pandemia na rápida adesão à modalidade.
Para Silva e Coutinho (2024), a pandemia da Covid-19 foi o ponto que acelerou uma tendência que já estava em curso. O número de matrículas passou de 1,6 milhão em 2019 para 2,9 milhões em 2021, evidenciando um crescimento considerável impulsionado pela crise sanitária. Os autores destacam que “a crise sanitária acelerou uma tendência já emergente” e que a flexibilidade, a acessibilidade e a diversidade de cursos foram atrativos essenciais para milhões de estudantes (Silva; Coutinho, 2024, p. 3714).
Consoante a isso, Costa e Pinho (2023) também reforçam que, embora o ensino remoto tenha sido adotado como resposta a uma emergência, ele se revelou como um potencial significativo de inclusão, especialmente para estudantes do interior e populações com menor acesso ao ensino presencial. “A importância do ensino remoto ou a distância na inclusão de mais pessoas oportunizou um percentual ainda maior da população a ter ensino superior” (Costa; Pinho, 2023, p. 2919).
Destaca-se também que 79,3% dos estudantes do ensino superior estão matriculados em instituições privadas, reforçando o papel central desse setor na expansão da EaD (Semesp, 2025). Embora a maioria das matrículas em cursos de EaD concentrem-se no setor privado, com 95,9%, é importante ressaltar que o setor público vem investindo consideravelmente nessa nova modalidade de ensino. Nesse sentido, a Universidade Aberta do Brasil (UAB) representa um fundamental na ampliação da Educação a Distância nas instituições públicas de ensino superior no Brasil.
Criada em 2005 pelo Ministério da Educação (MEC), a UAB é uma iniciativa voltada à democratização do acesso à educação superior, especialmente para regiões com menor oferta de ensino presencial, como áreas rurais, periferias urbanas e pequenos municípios do interior. Um dos maiores legados da UAB foi promover a interiorização do ensino superior, levando cursos de graduação e pós-graduação a localidades antes excluídas da educação universitária.
De acordo com Correia-Neto e Valadão (2017), o surgimento da UAB foi decisivo para a consolidação da EaD como modalidade legítima e estratégica de expansão do ensino superior público. Ela possibilitou o crescimento de cursos de licenciatura, bacharelados e especializações a distância dentro das universidades federais e estaduais. A UAB é, até hoje, a principal política pública de incentivo à EaD dentro das IES públicas e tem sido constantemente atualizada para incorporar novas tecnologias, formar docentes e adaptar os currículos às necessidades locais e regionais.
Um exemplo concreto do impacto da Universidade Aberta do Brasil (UAB) na expansão da EaD em instituições públicas é o caso da Universidade Federal de Goiás (UFG) – Câmpus Goiás, que oferece o curso de graduação em Administração Pública na modalidade a distância. Esse curso é viabilizado por meio do sistema UAB e integra o Programa Nacional de Formação em Administração Pública (PNAP), uma iniciativa financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que tem como objetivo qualificar gestores públicos e ampliar o acesso à formação superior em regiões diversas do país.
A oferta do curso de Administração Pública EaD pela UFG Câmpus Goiás é um exemplo de como a modalidade a distância pode quebrar barreiras geográficas, sociais e econômicas, levando ensino superior de qualidade a pessoas que, muitas vezes, não teriam condições de frequentar um curso presencial em tempo integral, assim como àquelas que não dispõem de recursos financeiros para arcar com as mensalidades dos cursos EaD oferecidos por instituições privadas.
No primeiro caso, moradores de municípios do interior, trabalhadores do setor público que não podem se deslocar diariamente até uma universidade, ou pessoas com outras responsabilidades (como cuidar de filhos ou familiares), podem se beneficiar dessa flexibilidade. Já no segundo caso, a gratuidade e a qualidade da educação pública são elementos essenciais para garantir o acesso à formação superior e promover maior equidade educacional.
De acordo com o Mapa do Ensino Superior no Brasil 2025, os dados apontam quais são os principais cursos de graduação na modalidade Educação a Distância (EaD), isto é, os mais procurados tanto na rede privada quanto na rede pública. O curso de Pedagogia ocupa o primeiro lugar tanto na rede privada, com 13,8% das matrículas, quanto na rede pública, onde alcança uma participação ainda maior, com 20,4% das matrículas na modalidade EaD.
Já o segundo curso mais procurado é o de Administração, que também aparece com grande índice em ambas as redes: 8,7% das matrículas na rede privada e 8,1% na rede pública. Este dado evidencia a relevância contínua da formação em gestão e negócios, tanto no setor público quanto no privado, que têm muito a agregar na sociedade em geral.
No caso do curso de pedagogia, que é uma licenciatura, a sua predominância como o mais procurado na modalidade EaD entra em tensão direta com as novas exigências legais estabelecidas pelo Decreto no 12.456/2025, que reformula a Política Nacional de Educação a Distância.
Esse decreto, que foi publicado em 19 de maio de 2025, estabelece um novo marco regulatório para a oferta de cursos superiores a distância no Brasil, assim, ele regulamenta a Nova Política de Educação a Distância. O Decreto no 9.235/2017 atualiza as diretrizes do Decreto no 9.235/2017 e define critérios objetivos para a oferta de cursos em três formatos: presencial, semipresencial e a distância. Um ponto importante é que mesmo os cursos exclusivamente a distância, devem ter no mínimo, 10% da carga horária em atividades presenciais e 10% em atividades presenciais ou síncronas mediadas. Desse modo, o decreto dá fim aos cursos 100% EaD, isto é, exclusivamente à distância.
Além disso, tal decreto institui limites claros para determinadas áreas: cursos de Medicina, Enfermagem, Odontologia, Direito, Psicologia e Licenciaturas estão proibidos de serem oferecidos exclusivamente a distância. Dessa maneira, voltando-se novamente para a licenciatura em pedagogia, o curso com maior número de matrículas no formato EaD, de acordo com o Decreto no 9.235/2017, “No caso dos cursos das áreas de educação, ciências naturais, matemática e estatística, eles só poderão ser ofertados em formato presencial ou semipresencial, com pelo menos 30% de atividades presenciais e 20% presenciais ou síncronas mediadas.” Todas as licenciaturas têm regras específicas definidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais, que prevalecem sobre as normas definidas na portaria” (Ministério da
Educação, 2025).
Nesse viés, embora a Nova Política de Educação a Distância estabeleça que cursos semipresenciais podem ter apenas 30% de atividades presenciais e 20% síncronas mediadas por tecnologia, o Ministério da Educação (MEC) reafirmou que, no caso das licenciaturas, continua vigente a exigência de pelo menos 50% da carga horária presencial, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) homologadas anteriormente (Saldanha, 2025).
Essa posição gerou críticas por parte de representantes do setor privado, que apontam que a elevação da carga presencial pode inviabilizar economicamente os cursos, aumentar mensalidades e afastar estudantes de baixa renda e de regiões afastadas (Saldanha, 2025). Por outro lado, o MEC defende que a formação de professores exige vivências práticas e presenciais que não podem ser plenamente substituídas por interações remotas, visando à qualidade da educação básica no país. Esse cenário evidencia um dilema em equilibrar o acesso ampliado à formação docente pela EaD com a garantia de uma formação de qualidade, que prepare bem os futuros professores para os desafios da educação pública.
Outro ponto a se comentar é que o artigo 5o do Decreto no 12.456/2025 determina que cursos presenciais, semipresenciais e a distância tenham a mesma duração e prazo de integralização. Embora essa regra busque garantir igualdade entre as modalidades, ela desconsidera as particularidades da EaD, como a flexibilidade de tempo e o perfil diverso dos estudantes. A padronização pode limitar inovações pedagógicas e dificultar a adaptação da EaD às necessidades dos alunos. Ao invés de igualar prazos, o ideal seria garantir qualidade equivalente, respeitando as especificidades de cada modalidade.
O Decreto no 12.456/2025 trouxe mudanças importantes para a organização dos cursos de Educação a Distância (EaD) no Brasil. A partir dele, os polos de apoio presencial passam a ter exigências mais claras e rigorosas: devem contar com salas de estudo, laboratórios, internet rápida e estável, além de profissionais capacitados para orientar os estudantes durante a formação. Essas medidas visam garantir que os alunos tenham o suporte necessário para uma aprendizagem de qualidade, mesmo fora da sala de aula tradicional.
Outro ponto fundamental do Decreto no 12.456/2025 é a exigência de avaliações presenciais obrigatórias em todas as disciplinas, com peso significativo na nota final. Isso visa reforçar a seriedade dos cursos EaD e busca assegurar que o estudante seja realmente acompanhado em seu processo formativo. No entanto, essa exigência suscita críticas quando aplicada ao contexto das instituições públicas de ensino superior, cujos alunos, em grande parte, enfrentam realidades socioeconômicas distintas, incluindo dificuldades de deslocamento e acesso geográfico. Nesse sentido, a medida parece favorecer a lógica das instituições
privadas, desconsiderando as especificidades e os desafios enfrentados por
estudantes da universidade pública.
Por fim, como muitas das mudanças advindas com o Decreto no 12.456/2025 são significativas, para que as instituições possam se adaptar a essas novas regras, foi concedido um prazo de dois anos. Além disso, o decreto respeita o direito dos estudantes que já estavam matriculados antes da mudança, pois eles poderão concluir seus cursos seguindo as regras anteriores.
Diante do que foi discutido, é possível afirmar que a Educação à Distância (EaD) tem se consolidado como uma modalidade estratégica no ensino superior brasileiro, principalmente após a pandemia de Covid-19, ao ampliar o acesso e responder às demandas por flexibilidade. O Decreto no 12.456/2025 marca um avanço regulatório ao estabelecer padrões mínimos de qualidade, mas suas exigências — como atividades presenciais e prazos unificados — impõem desafios, sobretudo para as instituições públicas e estudantes em situação de vulnerabilidade. Embora haja um período de transição e respeito aos direitos dos matriculados anteriormente, é essencial que as políticas públicas considerem as desigualdades existentes. Com isso, conclui-se que o futuro da EaD dependerá da capacidade das instituições de ensino superior de equilibrar acesso, qualidade e equidade na formação.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto no 12.456, de 19 de maio de 2025. Dispõe sobre a oferta de educação a distância por instituições de educação superior em cursos de graduação e altera o Decreto no 9.235, de 15 de dezembro de 2017. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 20 maio 2025. Disponível em: https://www.ain.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-12.456-de-19-de-maio-de-2025-63039 8639. Acesso em: 22 maio 2025.
CORREA-NETO, J. da S.; VALADÃO, J. de A. D. Evolução da educação superior a distância no Brasil: uma análise a partir de processos de institucionalização. Revista Gestão Universitária na América Latina - GUAL, Florianópolis, v. 10, n. 3, p. 97-120, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1983-4535.2017v10n3p97. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/gual/article/view/1983-4535.2017v10n3p97. Acesso em: 25 maio 2025.
COSTA, V. O. da; PINHO, A. M. Perspectivas sobre o avanço da educação a distância durante a pandemia. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, São Paulo, [S. l.], v. 10, n. 7, p. 2917–2926, 2023. DOI: 10.51891/rease.v10i7.15017. Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/15017. Acesso em: 22 maio 2025.
SILVA, J. A. S. G. da; COUTINHO, D. J. G. Crescimento do ensino à distância após a pandemia no Brasil. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, São Paulo, [S. l.], v. 10, n. 10, p. 3714–3722, 2024. DOI: 10.51891/rease.v10i10.16300. Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/16300. Acesso em: 25 maio 2025.
SALDANHA, Paulo. MEC diz que licenciaturas deverão ter 50% de aulas presenciais, apesar de nova regra permitir 30%. In: Folha de S. Paulo. Brasília, 20 maio. 2025. Disponível em: https://www.folha.uol.com.br. Acesso em: 22 maio 2025.
SEMESP. Mapa do Ensino Superior no Brasil: 15a edição, 2025. São Paulo: Instituto Semesp, 2025. Disponível em: https://www.semesp.org.br/wp-content/uploads/2025/02/mapa-do-ensino-superior-no -brasil-2025.pdf. Acesso em: 16 maio 2025.